28.2.07

Sorria, se conseguir

No café Galão, um café da moda com croissants portugueses com nome espanhol e sabor alemão, encontrei uma das empregadas do clube de vídeo. Não a reconheci imediatamente, achei esta muita mais bonita do que a outra. Passados uns instantes é que percebi que era, afinal, a mesma pessoa. Não era o cabelo apanhado e a roupa cuidada que lhe mudavam o semblante. Era algo demasiado simples para ver à primeira.
Hoje, ali, ela sorria.

27.2.07

Breve desabafo

Sempre achei a gravidez da minha chefe uma grande injustiça cósmica. A confirmação não a tive na sexta-feira quando a gaja perdeu o juízo por completo e queria obrigar-me a fazer uma coisa que pessoas mentalmente sãs não fazem, tive-a ontem à noite. Estava eu a escrever um divertido post com a eloquente introdução “A minha chefe está muito grávida, tão grávida que dá vontade de lá ir com uma agulha e mandar o balão ao ar”, quando me mandaram a mensagem igualmente eloquente “a gaja vai ter o puto agora”. Que seja menina, tanto nos dá.
E é assim que um post deixa de ter razão de ser.

Vírus da gripe (publicidade gratuita)

Eu sou a única pessoa que conheço que ainda não ficou doente com o vírus da gripe manhoso que anda pelo país. Com isto creio ter acabado de ditar a minha sentença.

Mas eu bebo Actimel todos os dias. Portanto, claro que não me vai acontecer nada.

26.2.07

Conversa de bastidores (os Óscares)

Ah e tal, este ano é melhor dar um Óscar ao Scorcese, senão dizem que somos muito previsíveis.

As portas de Berlim - parte V

Kottbusser Tor

Entro e olho à minha volta. O meu amigo ainda não chegou. Da porta vejo a única mesa vazia e dirijo-me para o canto. Sento-me e peço um café. Só tiro o casaco algum tempo depois. Faz um frio de C grande. Devia ser proibido sair de casa nestes dias.
O meu amigo demora a chegar, avanço a leitura do meu livro e bebo o café todo. Não fumo porque tenho vergonha. O café está cheio e não parece haver um único fumador aqui, apesar de haver cinzeiros em cima das mesas (se calhar os fumadores têm mais frio do que os não-fumadores - somos mesmo mais fracos - e não saíram de casa). Muita gente que entra e me pergunta se o lugar ao meu lado está vago. Estou à espera de uma pessoa, desculpe. Aqueles três que chegaram também me perguntam isso, mas ao contrário dos outros, que voltaram a sair para o frio à procura de outro café, improvisaram umas cadeiras ao pé da janela. O meu amigo chega quando me trazem o segundo café. Pede desculpa pelo atraso, senta-se, queixa-se, it´s fucking freezing.
Poucos minutos depois, a empregada deixa cair uma chávena de chocolate quente para cima de uma das três pessoas que se sentaram à janela porque eu ocupei a última mesa livre. Desfaz-se em desculpas, mas o mal está feito. A cliente, com a camisola nova manchada, queixa-se alto o suficiente para que o gerente se aperceba. Era o primeiro dia da empregada. Foi o seu último dia. No final do expediente o gerente, por sinal também o dono do café, chegar-se-á ao pé dela e dir-lhe-á que está dispensada. A empregada vai para a rua por causa de um chocolate quente que uma cliente da mesa do fundo não sabia se havia de pedir, era isso ou um galão, mas se calhar apetecia-lhe outra coisa qualquer. Por causa de todas as suas indecisões quotidianas, o namorado chateou-se com ela. Foram para casa e nessa noite tiveram a sua última discussão. O namorado pegou nas malas e saiu de casa.
Por sorte, o meu amigo telefonou-me antes de apanhar o metro e perguntou-me se não preferia ir a outro café. Fomos a outro café onde não havia muita gente e pudemos escolher dois lugares ao calhas. Os três amigos puderam sentar-se na mesa que eu havia ocupado e a empregada não deixou cair nada porque a namorada indecisa, ao ver que a rapariga da camisola nova tinha pedido um chá de hortelã-pimenta, resolveu decidir-se pelo mesmo e, nessa noite, ela e o namorado foram para casa e fizeram amor como há muito tempo não faziam.
No café onde estou agora tudo decorre com a normalidade condicionada pelas escolhas de outros. Acendo o meu primeiro cigarro quando vislumbro outro fumador. O meu amigo, que estava dez minutos atrasado, chega, desculpa-se, senta-se e queixa-se do frio. Temo o pior.

24.2.07

Notas musicas (Last Call e Caring Creepy)

No outro dia estava a ouvir uma compilação que me enviaram, daquelas compilações maravilhosas cheias de música nova, e dei por mim parada no meio da sala, a olhar para o computador que trauteava uma música que me fazia lembrar algo, mas não conseguia dizer o quê, como se olhar para o computador me pudesse ajudar, como se fosse daqueles robots inteligentes que me mostrassem o nome da banda no ecrã, em letras garrafais vermelhas a piscar Brazilian Girls!!!, e uma pequena nota de rodapé a passar ao fundo do ecrã, does it ring the bell, you old bat? a gozar comigo, claro. Não ringou bell nenhuma e andei semanas com a música nos ouvidos à espera de uma luz ao fundo da minha memória de morcego. A luz lá piscou umas semanas depois, tipo neon de casa de putas, mesmo que a recordação seja bastante ingénua para comparações deste tipo.
Parei ligeiramente deprimida ao fundo das escadas, a travar o caminho aos yuppies apressados (tinha-me, finalmente, lembrado quando ia a subir as escadas do metro, momento perfeito, como toda a gente sabe, para reavivar memórias de um passado-presente) e a experimentar uma nova maneira de ter saudades, as saudades que se têm dos sítios por onde passámos uma vez, mas que, em lá estando, julgámos ter estado toda a nossa vida. Retive essa memória na minha cabeça durante quatro meses (já quatro meses?) sem nunca mais a ter reavivado. Faz-me lembrar as líchias que, de tão bem guardadas, quando me lembrei delas já estavam podres.
Pelo mesmo caminho vou agora com The Shins. Provavelmente terei mais outro flash noutra altura imprópria, quiçás na casa-de-banho desta vez, quando estiver a cumprir com os meus deveres corporais. Já me estou a ver de papel higiénico na mão a limpar a nostalgia de momentos em estado líquido e a levantar as calças acometida por uma ansiedade enorme de ficar a ouvir Caring is Creepy até que a bexiga cheia nos separe.
Sim, aguardo este momento ansiosamente.

Baile de máscaras

Poderia ir de chinesa, tenho um vestido no armário, se o dito me servisse. Bom, servir, serve, mas ao olhar-me ao espelho tive uma ideia muito melhor. Só tenho de pintar os olhos um bocadinho e prender o cabelo em dois carrapitos. Se me perguntarem do que vou vestida, digo que vou de chinesa-grávida-de-três-meses-e-meio.
Os disfarces são como as instalações de arte moderna. Não é a ideia em si que conta. É a definição da mesma que faz as pessoas pensar “realmente, até está giro”.

22.2.07

Schokolade


- Diga-me, como é que a senhora ainda consegue sair daqui e enfrentar o mundo deprimente das pessoas que comem Bratwurst?

Chato, chato, é ser mesmo à porta do trabalho...

Equação

N concertos > ordenado = esta vida é uma tristeza

Woche-n-ende

Esparguete com courgettes
Esparguete com atum enlatado
Esparguete à Bolonhesa sem carne
Esparguete à Carbonara sem molho Carbonara

Amanhã é sexta-feira. Um óptimo pretexto para ir jantar fora.

21.2.07

O novo Público (e o sexo)

1- Não ter o Mil Folhas para ler é como ter sexo sem preliminares.
2- Ter um só suplemento para ler é como ter sexo apenas uma vez numa noite. Ainda por cima sem preliminares.
2.1 – O suplemento P2 é como um gajo sem pila. Ou seja, mas que merda é esta??

Manual dos apaixonados (mesmo que no livro não se trate de amor carnal)

Qualquer coisa como "dormíamos tão perto um do outro que podia jurar que eu inspirava o ar que ele expirava".
Peter Hoeg, Froken Smillas fornemmelse for sne.

(o título em dinamarquês é só mesmo para o estilo)

20.2.07

As portas de Berlim - parte IV

Frankfurter Tor

- Em que é que estás a pensar?
- Não sei, diz-me tu, que dás pelo nome de consciência.
Penso nele enquanto lavo os dentes. Gostava de não pensar tanto nele. Esfrego os dentes com mais força até começar a sangrar das gengivas e salpico o espelho. Quando penso nele penso sempre no outro. Um e o outro são a mesma memória. De vez em quando dá uma música na rádio que me faz lembrar, ele que me faz lembrar o outro. Uma memória despoletada por outra. Uma só música para duas pessoas tão diferentes. Uma coincidência desnecessária.


À entrada de Friedrichshain esperavas por mim. Quando me viste cumprimentaste-me com o cigarro pisado no asfalto. Seguimos a rua até um beco, havia um bar novo que queríamos espreitar. Entra-se por um buraco no chão, disseste-me, aliás o bar é um buraco, um antro sem ventilação que cheira a álcool, tabaco e suor.
A mim cheirou-me mais a solidão quando me disseste que seria a última vez que nos iríamos ver. Não para sempre, o que é isso, para sempre, se calhar ainda volto, quando voltar ainda nos podemos ver, mas será a última vez até à próxima. Não vais sentir falta de mim porque não tiveste tempo para te habituares a mim. Obriguei-te a sentires-me longe antes de me teres por perto. Não fiques triste, sabes que é melhor assim.

Nessa noite amei-te a sério. Tu não sabes, claro. Porque eu não fui eu, eu fui outra. Estou agora aqui a pensar em tudo o que não te disse, em tudo o que não me disseste, em tudo o que poderá ser dito um dia. Provavelmente não. O nunca é tarde demais. Para sempre é também demasiado tempo. Nunca e para sempre são antagonicamente a mesma coisa. Nunca te amei. Amar-te-ei para sempre. Vejo-te em todo o lado mas não sei onde estás. De qualquer maneira, já vivemos o presente: o futuro do passado. Não nos resta mais nada.

Quando apagaste o cigarro com o pé, estavas a apagar tudo o que ia ficar por dizer nessa noite. Tinhas acabado de acender o cigarro e deitaste-o fora à primeira visão de mim, deitaste-o fora, pisaste-o, apagaste-o, apagaste um encadeamento de frases a que se chamam conversas. Nessa noite começámos pelo fim: os nossos sonhos acabaram antes de terem começado. Agora já não vale a pena tentar dormir.

Mesmo assim, foi bom ter-te conhecido.

Como é viver em Berlim?

É confraternizar num restaurante punk italiano com pessoas de cinco nacionalidades diferentes, falar quatro línguas numa só noite e usar o alemão apenas como ponte de identificação para dizer Berlin hat was.

Mas porque é que eu não me lembrei disto quando devia?

18.2.07

Querido Diário (a espera)

Este fim-de-semana vi dois filmes a preto e branco. Também vi alguns episódios do Lost. Começo a ficar viciada. Tento não ver tudo de seguida para ter algo por que esperar. Fui ver uma exposição de fotografia, fui ouvir The Good the Bad and the Queen durante uma hora nos auscultadores da Dussmann. Não comprei logo porque estou à espera de Arcade Fire. Fui tomar café com uma amiga, fui tomar café sozinha, fui almoçar fora. Não saí à noite, não me apeteceu. Depois quase que me senti triste. Acabei um livro, comecei outro. Tinha feito uma lista dos livros para ler até começar o Ulisses, lista esta que tenho seguido escrupulosamente. Espanta-me a minha disciplina. Daqui a duas semanas vou pegar no Ulisses a sério. Vou abri-lo e começar a ler. Podia fazê-lo já, mas prefiro esperar. Este fim-de-semana também fui à biblioteca Americana pela primeira vez. Tantos livros que quero ler, uma secção inteira dedicada à Escandinávia, muitos sons e dóttirs que terão de esperar. Não me inscrevi porque me apercebi no lobby de que ando sem identificação na carteira há dois meses, que o meu BI já está pronto desde Janeiro, mas que ainda não o fui buscar para não ver República Federal da Alemanha escrito onde devia estar escrito Portugal. Faz-me impressão. Fi-lo para poder votar para o meu país e o meu país nem sequer me deixou votar. Fez-me impressão. Na terça vou buscá-lo. Até lá espero. Depois de terça vou continuar à espera. Dias que se colam a noites que se colam a tardes que se colam a manhãs. E eu continuo à espera. De tudo e de nada. Mas mais de tudo do que de nada. Espero eu.
Hoje está sol. Vou passar o dia a ouvir The Smiths, a ver mais dois episódios do Lost. Talvez vá tomar café, talvez vá ao supermercado. Depois não sei. Talvez continue à espera. Os meus amigos perguntam-me o que tenho. Eu respondo que estou cansada e é verdade. Cansada de esperar, cansada desta merda toda, de passar a semana a trabalhar, de passar domingos inteiros a preparar aulas de 90 minutos, mas os 90 minutos passam num instante e os domingos são sempre tão longos. Hoje não vou preparar aula nenhuma. Não me apetece.
Há mais 10 domingos até Maio. No primeiro domingo de Maio faço anos. Não sei o que vou fazer. Não gosto de fazer anos aos domingos, não gosto de domingos. Talvez me embebede no sábado e passe o domingo de ressaca, a dormir e a vomitar até acordar mais velha na segunda-feira. Depois desse primeiro domingo virá o medo a sério. O medo de que tudo fique na mesma e o medo de que tudo mude. Tenho medo das mudanças que não são causadas por um impulso. Pensar nas coisas dá muito trabalho. Pensar nas coisas sozinha dá mais trabalho ainda.
Tenho medo desta espera. Mas por enquanto é a única coisa que tenho. Só mais 10 domingos.

17.2.07

Manual dos apaixonados (os espanhóis)

Os homens espanhóis são amantes cínicos. Mesmo depois de um ano, continuam a chamar a ex-qualquer-coisa de mi corazón.

Passagem do tempo (Cosmic Black)

Enquanto espero que a tinta apague os efeitos do tempo, penso que a futilidade da minha acção só irá durar oito lavagens.

Passagem do tempo

Depois de três tiros no escuro, acertei na pergunta das cinco semanas. Há coisa de uns anos a opção "gravidez" nunca me passaria pela cabeça. Ontem veio em quarto lugar. O tempo passa. Os meus cabelos brancos são apenas um azar genético.

15.2.07

Profissão: Mãe Solteira

Uma vez conheci um Desempregado alemão. Perguntei-lhe assim, o que é que fazes, e ele respondeu-me assim, sou Desempregado. Vi a maiúscula a sair-lhe dos lábios e o assunto ficou arrumado. Estávamos num bar fashion do Bairro Alto, ele estava em Portugal de férias e no dia seguinte ia alugar um carro à Europcar para andar a viajar pelo país durante 12 dias. Doze.

No outro dia conheci uma Mãe Solteira Desempregada alemã. Perguntei-lhe assim, o que é que fazes, e ela respondeu assim, sou Mãe Solteira Desempregada. Vi a primeira maiúscula a sair-lhe dos lábios e tive de me desviar para que a segunda não me acertasse. Esqueci-me da terceira e foi mesmo no meio da testa.

Eu: no último fim-de-semana do mês nunca tenho dinheiro. A situação é um bocado desenxabida porque me mato a trabalhar. De qualquer modo, no último fim-de-semana do mês fico em casa, leio e tal, e digo a toda a gente que já tenho cenas combinadas com um amigo que ninguém conhece. O nome do amigo muda todos os meses, porque nem a mentir sou boa, e por isso toda a gente pensa que eu tenho muitos amigos. Vou disfarçando como posso.
É claro que se vivesse às custas da Tia Angela, a esta hora não estaria aqui. Estaria numa praia paradisíaca em Tuvalu. Eu e o meu filhote a fazer castelos na areia. Menino ou menina, que o Centro de Emprego não é esquisito.

Descobri, há coisa de meses, que ter um filho no pecado seria o fim de todas as minhas preocupações financeiras. Os subsídios acumular-se-iam mais do que o pó cá de casa. O filho estaria no infantário o dia todo, infantário este pago pela Tia querida, e eu teria as tardes livres para me encontrar com outras mães e trocar nomes de marcas de fraldas. Daquelas que deixam o cuzinho das crianças respirar e não assam. Teria 21 dias de férias por ano e nenhuma vontade de arranjar emprego, porque, apesar de me aborrecer durante o dia e ter de dispôr a roupa no estendal às cores para não deixar morrer o meu espírito criativo, nunca arranjaria um emprego a sério em que ganhasse tão bem como sendo Mãe Solteira Desempregada.

A gaja que eu conheci ganhava 1800 euros por mês. Eu não sei se isso é realmente possível, se ela estava a falar em brutos ou líquidos ou se estava simplesmente a gozar com a minha cara de 9-às-21-com-umas-horas-extra-pelo-caminho-e-um-ordenado-miserável. De qualquer maneira, depois disso conheci outro Desempregado que recebia 2226 euros de subsídios. Nem sequer lhe perguntei se eram brutos ou líquidos. Achei irrelevante e o número redondamente escandaloso.

Não vou estar para aqui com discursos salazaristas de que anda uma pessoa a descontar para os parasitas da sociedade. Nada disso. Mas é que hoje saí-me com mais outra de “mas quando é que eu me despeço desta porra” e interrompi o trabalho temporariamente para rascunhar umas contas no papel. Ora bem, quantos amigos coloridos é que eu tenho? Pus o papel timbrado no bolso e vim para casa com novas perspectivas de vida.

Ontem e hoje no Gorki Park

Se hoje me tivessem perguntado como era viver em Berlim, eu diria que é estar no Gorki Park a brindar com um ex-entre-aspas mais a namorada-logo-a-seguir-a-mim e ver entrar o Daniel Brühl a falar espanhol com sotaque catalão. Como me perguntaram isso ontem, fiquei sem saber o que responder.

12.2.07

As portas de Berlim - parte III

Schlesisches Tor

Descemos toda a avenida até à praça de nome difícil. Levei três anos a conseguir dizer Schlesisches Tor sem enrolar a língua. Naquela altura, ao princípio de Berlim, ainda não era capaz de levantar a crosta nos nomes impronunciáveis e limitava-me a apontar: Vamos até ali. Depois dali atravessamos a ponte e vamos até ao Muro. Agora não me lembro como é que se chama. Vê lá no guia. Pois, isso.
Enquanto caminhávamos, ia-lhe contando histórias de Berlim, nunca as minhas para não o aborrecer. Quando chegámos ao Muro foi muito bom porque não precisei de lhe agarrar nas mãos e gritar

mas o que é que estás a fazer, isto aqui é património mundial, se querias um bocado da pedra que cá tivesses vindo em 89, ou então vai ali comprar daqueles postais manhosos, chegas a Portugal, dizes que trazes um bocado de História no bolso e toda a gente acredita em ti

porque ele parecia ter consciência de si e do mundo, parecia saber o que fazia, parecia nunca se enganar, até que um dia enganou a namorada e acabou uma relação daquelas que toda a gente considerava perfeita. Até eu. Nessa altura, em que as dores de crescimento ainda não me doíam muito, gostava de acreditar em amores de contos de fadas, em 1300 metros de Muro ao lado de uma pessoa que (ainda) não sabia o que era o fim.

Quando me contaram, fiquei chocada. E pensei muito nisso. Especialmente na namorada dele, se ainda continuaria com o sorriso prêt-à-porter ou se se tinha tornado amarga, como eu. Eu é que não deixo que ninguém note. Quem me conhece mal até pensa que sou uma gaja adorável (é sempre preciso muito tempo para se conhecer alguém). Hoje em dia já nada me choca. Se for preciso ainda choro um bocadinho para me sentir minimamente humana, mas sinceramente nada pode ser pior do que aquilo que já foi. É como o nome da estação de metro. Agora que já o consigo dizer sem cuspir para cima de ninguém, não sei como era antigamente.

(acho que acabei de me contradizer)

Um ano depois reencontrei-o por acaso. Tinha cortado o cabelo e trazia feições de quem não sabia se estava feliz. Não fiquei triste por ele porque nunca mais pensei nisso. Só agora. Mas por esta altura a vida dos outros já entrou nos eixos. A minha é que mais parece o metro de Berlim sempre em obras constantes. Agora entra-se em Schlesisches Tor e já não se vai dar ao mesmo sítio.
O Pendelverkehr começa a chatear aos poucos.

11.2.07

Obrigada



(era só isto)

10.2.07

Clap Your Hands Say Yeah (09.02. Postbahnhof)


O concerto de CYHSY na Postbahnhof ontem à noite foi bom, mas soube a pouco. Houve uma ou duas falhas, como tocarem Satan Said Dance logo ao princípio (não, não, não, deixa-se o público esperar, sofrer, de preferência até ao encore!) e Alec Ounsworth nos voltar as costas sempre que não tinha de usar o microfone. São tímidos, pronto, ninguém os obriga a estar em alta cavaqueira com o público, se formos a ver, nós não queremos que eles falem connosco, queremos que eles toquem e isso fizeram muito bem. Houve dois pontos altos, (1) quando entraram em palco os três alucinados dos trompetes da banda de apresentação Elvis Perkins (a registar uma música muito boa, o resto igual a tudo o mais) e transformaram o placo numa autêntica jam session durante 10 minutos em que às tantas já não se sabia quem estava a tocar o quê, mas eu gosto de salganhadas que acabam em êxtase colectivo, e (2) a (única) música do (único) encore, The Skin Of My Yellow Country Teeth, eu a saltar muito e a dar com a mala nas trombas da gaja que cheirava mal dos sovacos. Olha, paciência, tivesses tomado banho.

8.2.07

Caça aos bilhetes II

O concerto de Arcade Fire em Março já está esgotado. Os bilhetes no mercado negro rondam os 100 Euros. A espera com um bilhete na mão sabe agora muito melhor.

Caça aos bilhetes

6.2.07

As portas de Berlim - parte II

Brandenburger Tor

Estavam sentados na esplanada do café Einstein, de costas para o Brandenburger Tor.
- Afinal o que é que vieste cá fazer? – perguntou ela, os olhos escondidos atrás dos óculos de sol, depois de acabar o café e acender o segundo cigarro.
- De férias, já disse – respondeu ele, encostando-se para trás.
- O que eu queria perguntar era porque é que vieste cá de férias e me telefonaste. Porque é que quiseste vir a um sítio onde um café custa quase tanto como um jantar no chinês.
- Exactamente por isso, por nunca aqui vires. Queria que o reencontro fosse inesquecível, nem que fosse pelo preço do café.
- Se me pagares o café, prometo-te que não esqueço esta tarde.
- Tu nunca me esqueceste, escusas de estar com essas merdas.
Ela olhou para o lado como que para arranjar coragem para falar outra vez.
- No outro dia entrei num café e sentei-me ao lado de um velho. Lia o jornal e deixava um cigarro fumar-se a si mesmo no cinzeiro. Como aquelas pessoas que deixam de fumar mas precisam de ter um cigarro na mão. Aquele precisava de ter um cigarro aceso no cinzeiro. Tinha a barba por fazer, mas usava fato e gravata. Pura mania de velho, creio. Olhei várias vezes para ele até concluir quem é que ele me fazia lembrar. Tu.
- Eu?
- Sim, tu daqui a 40 anos, velho e ressequido, mas com a mania que continua a ser um grande garanhão.
- E depois? - perguntou ele, sem esconder um sorriso malicioso.
- Depois falei com ele. Disse-lhe que me fazia lembrar uma pessoa quando tivesse a idade dele. E perguntei-lhe se continuava a ser um cabrão ou se a idade lhe tinha perdoado a juventude.

... apesar dos anos, apesar das dores, apesar da solidão, apesar dos filhos não quererem saber dele, apesar de apesar de pesar tanto esta cruz.
Velhos como ele, que começam o dia sem nada para fazer, juntam-se todos os dias no largo do Brandenburger Tor. Velhos reformados, agora senhores do seu tempo, com o tempo nas mãos, as mãos no tempo, o tempo a fugir-lhes das mãos, como é injusta esta vida, passa uma pessoa uma vida inteira a trabalhar, os dias cheios de nada, a chegar a casa e ter de cuidar dos filhos, a esfregar, a limpar, a cozinhar, a aturar o marido, a aturar a mulher, a martelar, a furar, a castigar os filhos, a castigar-se a si próprio por perder tempo com coisas supérfluas sem se dar conta disso e depois, mais perto da morte, quando os dias começam a fazer tic-tac como o relógio lá de casa, têm de repente todo o tempo do mundo para ler todos os livros, para ouvir todas as partituras, para bordarem todos os folhos de lençóis (e a filha sempre: ó mãe, que foleiro!), para subirem montanhas, para isso tudo e para nada disso porque, como é injusta esta vida, os olhos já não deixam, os ouvidos já não são o que eram, as mãos já tremem, as pernas já doem, o relógio bate a meia-noite e foi mais um dia que passou depressa demais. Todos os dias, quer chova, quer faça sol, às vezes quando neva também, lá vão eles. São uns destemidos estes velhos, se calhar uma pessoa chega aos 60 anos e perde a razão de ter medo da vida, que o assusta a sério é a morte...

- Sabes que às vezes sonho contigo – disse ele - Vejo-nos velhos deitados na cama à espera que o sono chegue.
- E depois acordas e ficas contente por não ter passado de um sonho.
- Mais ou menos isso.
- Por seres um velho ou por seres velho ao meu lado?

Se cá ficar, se cá ficasse, ver-me-ia também a mim a passar no Brandenburger Tor daqui a muitos anos, provavelmente anos demais para os meus cabelos, ainda hoje olhei ao espelho e vi mais outro cabelo branco, e a dizer às minhas amigas, francesas, italianas, espanholas, turcas, polacas, que os tempos serão outros e serão tempos de Berlim dar ordem de despejo aos berlinenses, se isto hoje já anda cheio de estrangeiros, imagine-se o que será em 2047, lembram-se da Love Parade de 2001, do Mundial de 2006, dos concertos à pala e das manifestações contra o Bush, do Live8 e da Gay Parade e elas, sim, que belos tempos, mas ninguém falará da queda do Muro, de como multidões se haviam juntado ali há 60 anos e festejado, ou não, e buzinado, ou não, e abraçado o próximo, ou não, que nem toda a gente ficou feliz com o feito. Ninguém fala disso, porque seremos todas novas demais. Apesar de já sermos tão velhas. Teremos toda a idade de quem não chegou a assistir a acontecimentos realmente importantes, de quem passou a vida a lutar por si e não pelos outros, se quem viu o mundo a cair, a ir caindo, sem propósito, sem princípios, sem alegria, apenas o tempo de dizer adeus depois da caminhada com medo de não estarmos todas juntas amanhã de manhã, de nos deitarmos à espera que o sono recupere da Parkinson e não acordarmos mais.

Ela apagou o cigarro no cinzeiro, apagou-o bem, não queria que ficasse aceso quando se fosse embora, um descuido, um descuido que fosse e estava arruinada.
- É engraçado, porque eu também já tive esse sonho uma vez. Mas em vez do sono, quem se levanta do cadeirão e vem ter connosco é a morte. O sono eterno.
e nós julgamos que é o sono, tão disfarçadas são as coisas que não queremos ver
- E depois acordas e ficas contente porque não passou de um sonho.
- Mais ou menos isso - tirou os óculos de sol pela primeira vez nessa tarde e olhou-o bem no fundo dos olhos – Acordo e fico contente porque tu morreste primeiro do que eu.

4.2.07

Pedido

Eu sou pelo Sim. Podia não ser, mas sou. As razões são tão óbvias, como seriam se eu fosse pelo Não, por isso não vale a pena dissertar muito sobre o assunto. Muito já foi dito, muito o será ainda, afinal o referendo só tem lugar daqui a uma semana. Não poderei ir votar, por isso não digo Eu Voto Sim, e revolta-me bastante não o poder fazer.

("Mais, quando o referendo recaia sobre matéria que lhes diga também "especificamente respeito, são ainda chamados a participar os cidadãos residentes no estrangeiro". Mas, no caso deste referendo, assim não foi entendido."
Não me diz respeito a mim, "especificamente" a mim, como mulher portuguesa, que tenciona voltar um dia para Portugal, que tem amigas em Portugal, também elas mulheres como eu, que trabalhou e descontou - e bem - para o estado português, que já fez parte de uma mesa de voto, que ensina a língua de Camões no estrangeiro, que, puta que não vos abortou, SOU portuguesa?? Essa é boa.)

Mas não vale a pena bater no ceguinho, que não é por um post que as coisas vão mudar. Conformei-me com a minha abstinência forçada e resta-me manter as minhas convicções quanto ao assunto, mas saber aceitar ideias contrárias, saber respeitar os outros, até a lei, mesmo a lei, mesmo que revolte. Isto é tão óbvio como o facto de vivermos numa democracia. É claro que nem todos têm a mesma opinião. Por isso é que há um referendo. E mesmo que o Não ganhe (o que pode perfeitamente acontecer, é melhor preparmo-nos para o pior), continuaremos a viver numa democracia. Mesmo que o Não ganhe, continuaremos a ter liberdade de expressão. Mesmo que o Não ganhe, teremos sempre os amigos espanhóis para nos ajudarem em alturas de aflição. É triste. Mas é óbvio, tão óbvio como o meu pedido. Vão votar. Não me interessa se vão votar pelo Sim, não me interessa se vão votar pelo Não. Só vos peço que vão votar. E digo mais: por favor.

3.2.07

Manual dos apaixonados (o beijo)


" O que posso fazer para beijar você na boca? "

Nunca digas isso isso a uma mulher. Porque
1) é redundante. Se não for para a beijar na boca, mais vale não a beijares.
2) uma mulher não quer que lhe peças permissão. Se lha pedires, provavelmente dir-te-á que não só para evitar o embaraço da espera. Mas se não pedires e a beijares na urgência do momento, ela não só te beijará de volta, como ainda te vai perguntar porque é que não o fizeste mais cedo. É como o anúncio da Nike.
Just do it.

É claro que te arriscas a levar um tabefe. Mas, enfim, já dizia o ditado.

2.2.07

Talentos



No livro que escreveria, todas as personagens morreriam às minhas mãos. Convinha começar já a pensar num bom álibi.

1.2.07

Musicaliterariedades

Chateio-me com a tradutora e deixo um livro a meio. Fora alguns erros que fui encontrando e perdoando pelo caminho, fora uma construção frásica estranha a ouvidos portugueses, fora a inexistência de conjuntivos necessários, fora o uso abusivo de finalmentes e fabulosos e estupendos (mas quem é que diz estupendo! hoje em dia?), - traduzir Jonathan Franzen deve ser bastante chato, o homem engoliu um dicionário de sinónimos e esqueceu-se de arrotar - mas confundir New Order, banda que tinha tudo a ver com a personagem no enquadramento histórico-social, com uma estação de rádio do Midwest americano (falta-me a paciência para comprovar a existência da mesma), isso é que não.
Passo para Murakami. Tradução por tradução, ao menos que seja de uma língua de que não percebo um cú para outra cujos cús deformados ainda me vão passando ao lado.

Repeat



Indicações terapêuticas

- Ao ouvir Satan Said Dance (faixa 5) pela primeira vez é provável que ocorram sintomas de irritação epidérmica, mas estes tendem a desaparecer ao longo do tratamento;
- a indivíduos com predisposição para alergia a segundos álbuns, aconselha-se a interrupção do tratamento até mais ouvir;
- em casos felizes observa-se apenas uma vontade irresistível de dançar com acentuada descoordenação rítmica;
- a posologia recomendada é de oito a dez doses por dia, não havendo, no entanto, perigo de sobredosagem;
- caso observe outros efeitos secundários, é favor voltar à faixa 1.

(ainda Casablanca)

- Obrigada por mo emprestares. Diz-me, como foi possível ter vivido até hoje sem nunca o ter visto?
Ri-se.
- Sí, una vez vista no hay vuelta atrás, ya es parte de ti.