26.2.07

As portas de Berlim - parte V

Kottbusser Tor

Entro e olho à minha volta. O meu amigo ainda não chegou. Da porta vejo a única mesa vazia e dirijo-me para o canto. Sento-me e peço um café. Só tiro o casaco algum tempo depois. Faz um frio de C grande. Devia ser proibido sair de casa nestes dias.
O meu amigo demora a chegar, avanço a leitura do meu livro e bebo o café todo. Não fumo porque tenho vergonha. O café está cheio e não parece haver um único fumador aqui, apesar de haver cinzeiros em cima das mesas (se calhar os fumadores têm mais frio do que os não-fumadores - somos mesmo mais fracos - e não saíram de casa). Muita gente que entra e me pergunta se o lugar ao meu lado está vago. Estou à espera de uma pessoa, desculpe. Aqueles três que chegaram também me perguntam isso, mas ao contrário dos outros, que voltaram a sair para o frio à procura de outro café, improvisaram umas cadeiras ao pé da janela. O meu amigo chega quando me trazem o segundo café. Pede desculpa pelo atraso, senta-se, queixa-se, it´s fucking freezing.
Poucos minutos depois, a empregada deixa cair uma chávena de chocolate quente para cima de uma das três pessoas que se sentaram à janela porque eu ocupei a última mesa livre. Desfaz-se em desculpas, mas o mal está feito. A cliente, com a camisola nova manchada, queixa-se alto o suficiente para que o gerente se aperceba. Era o primeiro dia da empregada. Foi o seu último dia. No final do expediente o gerente, por sinal também o dono do café, chegar-se-á ao pé dela e dir-lhe-á que está dispensada. A empregada vai para a rua por causa de um chocolate quente que uma cliente da mesa do fundo não sabia se havia de pedir, era isso ou um galão, mas se calhar apetecia-lhe outra coisa qualquer. Por causa de todas as suas indecisões quotidianas, o namorado chateou-se com ela. Foram para casa e nessa noite tiveram a sua última discussão. O namorado pegou nas malas e saiu de casa.
Por sorte, o meu amigo telefonou-me antes de apanhar o metro e perguntou-me se não preferia ir a outro café. Fomos a outro café onde não havia muita gente e pudemos escolher dois lugares ao calhas. Os três amigos puderam sentar-se na mesa que eu havia ocupado e a empregada não deixou cair nada porque a namorada indecisa, ao ver que a rapariga da camisola nova tinha pedido um chá de hortelã-pimenta, resolveu decidir-se pelo mesmo e, nessa noite, ela e o namorado foram para casa e fizeram amor como há muito tempo não faziam.
No café onde estou agora tudo decorre com a normalidade condicionada pelas escolhas de outros. Acendo o meu primeiro cigarro quando vislumbro outro fumador. O meu amigo, que estava dez minutos atrasado, chega, desculpa-se, senta-se e queixa-se do frio. Temo o pior.

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