12.2.07

As portas de Berlim - parte III

Schlesisches Tor

Descemos toda a avenida até à praça de nome difícil. Levei três anos a conseguir dizer Schlesisches Tor sem enrolar a língua. Naquela altura, ao princípio de Berlim, ainda não era capaz de levantar a crosta nos nomes impronunciáveis e limitava-me a apontar: Vamos até ali. Depois dali atravessamos a ponte e vamos até ao Muro. Agora não me lembro como é que se chama. Vê lá no guia. Pois, isso.
Enquanto caminhávamos, ia-lhe contando histórias de Berlim, nunca as minhas para não o aborrecer. Quando chegámos ao Muro foi muito bom porque não precisei de lhe agarrar nas mãos e gritar

mas o que é que estás a fazer, isto aqui é património mundial, se querias um bocado da pedra que cá tivesses vindo em 89, ou então vai ali comprar daqueles postais manhosos, chegas a Portugal, dizes que trazes um bocado de História no bolso e toda a gente acredita em ti

porque ele parecia ter consciência de si e do mundo, parecia saber o que fazia, parecia nunca se enganar, até que um dia enganou a namorada e acabou uma relação daquelas que toda a gente considerava perfeita. Até eu. Nessa altura, em que as dores de crescimento ainda não me doíam muito, gostava de acreditar em amores de contos de fadas, em 1300 metros de Muro ao lado de uma pessoa que (ainda) não sabia o que era o fim.

Quando me contaram, fiquei chocada. E pensei muito nisso. Especialmente na namorada dele, se ainda continuaria com o sorriso prêt-à-porter ou se se tinha tornado amarga, como eu. Eu é que não deixo que ninguém note. Quem me conhece mal até pensa que sou uma gaja adorável (é sempre preciso muito tempo para se conhecer alguém). Hoje em dia já nada me choca. Se for preciso ainda choro um bocadinho para me sentir minimamente humana, mas sinceramente nada pode ser pior do que aquilo que já foi. É como o nome da estação de metro. Agora que já o consigo dizer sem cuspir para cima de ninguém, não sei como era antigamente.

(acho que acabei de me contradizer)

Um ano depois reencontrei-o por acaso. Tinha cortado o cabelo e trazia feições de quem não sabia se estava feliz. Não fiquei triste por ele porque nunca mais pensei nisso. Só agora. Mas por esta altura a vida dos outros já entrou nos eixos. A minha é que mais parece o metro de Berlim sempre em obras constantes. Agora entra-se em Schlesisches Tor e já não se vai dar ao mesmo sítio.
O Pendelverkehr começa a chatear aos poucos.

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