23.6.07

Que las hay, hay

Começaram a encher-me o copo às cinco da tarde. Eu tinha avisado que a tão desacostumadas horas ainda não tinha fome, talvez um bolinho, talvez umas bolachinhas, talvez uma salada de fruta, nunca uma salada de polvo, nunca esparguete com amêijoas, nunca um pudim italiano, nunca duas garrafas de vinho, nunca tanto Schnapps para acalmar o estômago de tão farto jantar. Mas há coisas que não valem a pena, os hábitos de uns são a cruz de outros, e Cristo carregou com ela de estômago vazio. Portanto.
Na fronteira entre o completamente alegres e o mais ou menos muito bêbados, começámos a falar sobre viagens, sobre lutas de gafanhotos em Hong Kong (eu muito chocada, a pôr o garfo temporariamente de lado, ai credo), sobre Ibiza em 72, sobre atravessar Espanha de carro, sobre Portugal, eu em Portugal, eles em Portugal, eles e os meus pais em Portugal e eu (o garfo temporariamente de lado) a tremer por todos os lados perante a visão dos meus pais loiros com os meus pais morenos, um problema de comunicação à mesa, e eu a tentar minimizar os ciúmes da minha mãe morena com gestos e tradução convenientes para todos.
Ainda nem eram 8 da noite e os meus pais loiros continuavam a encher-me o copo e a limpar-me o cinzeiro, eu a olhar para eles e a pensar na sorte que tive por os ter conhecido, há exactamente três anos, sim, mais uma daquelas coincidências que só ao diabo lembram, a minha vida está cheia delas e se calhar era melhor ir à bruxa. Podia ser que me dissesse exactamente o que quero ouvir.

Duas horas mais tarde haveria de encontrar-me com mais uma coincidência, ir com ela para as canecas de cerveja e no fim, já na rua, a chuva a cair da tromba de um grande elefante - tromba de água -, haveríamos de desabafar:
- Porque é que não nos reencontrámos mais cedo?
Mas não, claro que não, se calhar era mesmo para ser assim, termo-nos conhecido e reencontrado em tão peculiares circunstâncias, quatro anos atrás, quatro anos depois, quatro anos estes que no Gorki Park parecem nunca terem existido, apenas as mesmas conversas, a mesma intimidade, os mesmos risos,
(a amizade nem sempre se constrói. às vezes apenas nasce.)
como se os meus 4 anos em Berlim já estivessem traçados desde o início, o círculo desenhado, o fim ligado ao princípio, o eu com 23 anos e a franja mal cortada colado ao eu com 27 anos e o cabelo tão comprido que já se prende nas costas da cadeira, siamese dreams, mas ao contrário. No metro pergunto-me o que falta acontecer-me e puxo das memórias recalcadas do primeiro mês. Lembro-me. Ai credo.
De qualquer maneira, ainda bem que não nos reencontrámos mais cedo. Não suportaria a ideia de conviver com uma gaja tão parecida a mim durante muito tempo. Era capaz de dar um tiro nos cornos. Lixada como sou.

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