4.6.07

Feira de autógrafos


Os livros ficaram na minha mesinha de cabeceira à espera das noites quentes de Julho (o ladrar dos cães na rua e as cócegas dos bigodes da gata). Custou-me não trazer pelo menos um que pudesse abrir e ler de enfiada no avião - uma viagem chata - eu a olhar pela janela nas pausas das revistas, futil e sonambulamente a tentar passar o tempo sem conseguir encostar a cabeça e dormir. A não sei quantos mil pés dos Pirinéus acuso uma vontade enorme de passar a noite imersa em frases bonitas, daquelas que se calhar não querem dizer nada, mas que só pelos felizes conjunto e ordem de palavras
Em regra chegamos demasiado tarde a algum conhecimento da vida de que pouco nos serve
me fazem marcar a página e parar a leitura. Para pensar. Para provar as palavras na minha boca, para imaginar o movimento da minha mão a escrevê-las primeiro. Querias.
Por mais que não fosse, esta frase, lida posteriormente, serviu para perdoar a ausência do senhor na sessão de autógrafos. Esteve lá, mas foi como se não estivesse. Um Lobo Antunes mais velho e doente, de cigarro na mão e olhar distante, que acabou por escrever o meu nome no lugar do do meu pai (e eu depois a chegar a casa sem saber como lhe dizer e acho que depois de lhe dizer ele ficou um bocadinho triste). É por isso que não vejo vídeos de música. Foi por isso que só soube como se pareciam algumas bandas porque o Ípsilon a isso me obrigava. À confrontação da cara com o génio muitas vezes tão estupidamente antagónicos.
No dia seguinte, no entanto, ao passar pela mesma barraquinha, desta vez era outro que lá estava, mais novo, mais elegante, mais bonito (eu a hesitar muito e depois a ajeitar -desajeitamente - os cabelos), com uns olhos que me olharam de frente e um sorriso assim a modos que, para depois de me tratar por tu e me dedicar um beijinho, e eu com a voz mais sexy que consegui dizer obrigada, e a pensar (promiscuamente, devo admiti-lo, mas não fazia ideia que o tipo ao vivo fosse tão), pena o beijinho ter sido só com a caneta, e depois lá me fiz à chuva e cheguei a casa e disse (sem voz sexy), A partir de agora, Aqui, A esta hora, só este canal.
Ainda houve um terceiro, assim como os homens da minha vida (só três?), cuja timidez não desiludiu, mas, se me é permitido um reparo, chatearam-me as explicações sobre o acto de criação. Falar da escrita de um livro em público é como falar alto sobre masturbação feminina num café cheio de homens de bigode. É ficar caladinha e guardar o prazer só para mim. Sou egoísta, então. E aquele livro com o beijinho não o empresto eu a ninguém. Mesmo que seja um beijo frouxo de quarentão cansado.
Mas então.

2 Kommentare:

Blogger blindness meinte...

Há certos "encantamentos" que deveria ser proibido perder... Mas a única solução seria haver uma lei punitiva desta curiosidade que nos impele e, a ser assim, penso que prefiro o desencanto da confrontação. Além do mais, a desilusão é apenas um estado de espírito, um dia cinzento, uma conjugação verbal de um substantivo sem graça... que amanhã pintaremos de todas as cores, até nele vermos (afinal) o Sol.

6:26 PM  
Blogger Frau K. meinte...

Sim, especialmente quando a confrontacao até corresponde ao que esperávamos (ou nao, que às vezes nao se sabe bem o que se espera, mas é de qualquer modo positivo). Ou quando, depois, chegamos à conclusao de que há coisas que nao interessam para nada. A desilusao é amachucada pelo génio por detrás da figura. O encanto amadurece.

6:59 PM  

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