18.5.07

Berlinenses V

O Europeu

Para ele as pessoas distinguem-se pela língua que falam. Não pela nacionalidade, isso é apenas uma realidade burocrática, uma politiquice necessária para desculpar comportamentos sociais. Tantas foram as vezes que me corrigiu que passei a dizer que fulano ou cicrano era de um país de expressão inglesa, francesa, portuguesa, alemã, que os seus comportamentos sociais se deviam a certas expressões idiomáticas, a certos usos e costumes de uma língua, às declinações, aos verbos irregulares e que os povos se entendiam melhor ou pior consoante os grupos linguísticos.
Ao princípio isto intrigava-me, achava-lhe piada, via nele um geniozinho inconformado, menosprezado, maltratado pela sociedade, já tinha publicado um livro sobre o assunto, mas não conseguia viver dos direitos de autor. Explicou-me que o que recebia por cada livro vendido, que não eram muitos, nem chegava para beber um café, e mesmo que a minha tão modesta visão do mundo não o conseguisse alcançar, havia uma lógica qualquer no que dizia. Mas quando falávamos de música, a coisa irritava-me. Estava com ele e via as minhas distinções musicais serem deitadas abaixo. Os Blur não eram ingleses. A Bjork não era islandesa. Os Madrugada não eram noruegueses. Como explicar, então, de ondem vem uma banda, porque fazem os Sigur Rós música como a que fazem se não são influenciados pelo país de onde vêm, pela nacionalidade que carregam, pela paisagem em que nasceram? Foi então que me lembrei das pessoas bilingues. Como é que se designam as pessoas bilingues? Ou os alemães-russos, por exemplo? Disse-me que tinha escrito um artigo sobre isso mesmo. Li o artigo. A última frase, em que rematava a história de uma maneira decente, considerando-se ele mesmo não inglês, nem falante de inglês, mas europeu, convenceu-me durante uns momentos. Mas, se se considerava europeu, vindo de um continente em que se falavam tantas línguas, a sua teoria anterior, as dos falantes que tais, adquiria um sentido um tanto ou quanto dúbio. Ou não? Então disse-me que, pronto, está bem, não era europeu, era um cidadão do mundo. Quis-me parecer que o fez para me agradar, para me calar, ou então, ele, sim, tinha um grave problema de identidade. Perguntei-lhe se pretendia fazer alguma coisa a esse respeito e disse-me, do nada, que tencionava fugir comigo para onde eu fosse e tomar como dele, não a minha nacionalidade, mas a minha língua. Perguntei-lhe se estava bêbado. Eu sabia que não estava, tinha bebido Bionade a noite toda. Mas mesmo assim perguntei-lhe. Se estava bêbado e se estava a falar a sério. Não e sim. Depois beijou-me. Um beijo morto, sem paixão, tão fora do contexto como só os ingleses conseguem. Não os falantes de inglês, mas os ingleses. Disse-lhe isto e mandei-o tomar Prozac. Ah, e já agora, nunca mais me voltes a beijar. Depois fui-me embora.
Dizem que sou má, mas eu cá acho que é do sangue. Português por sinal.

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