29.3.07

Sem título (duas mulheres)

Enquanto lavava as mãos, vi uma mulher mais velha que olhava para mim pelo espelho. De olheiras cansadas e rugas de preocupações prematuras
Deitada na relva, uma mulher, de corpo caído, de corpo atirado ao chão, deixado cair, resignado ao destino que não tinha conseguido tornear,
(as rugas e as preocupações),
expirada a última réstia de ar que lhe sobrava nos pulmões. Ao seu lado, uma mala de viagem com a pega virada para cima, colocada do lado da mão direita, poisada cuidadosamente na relva antes que o corpo se tornasse um peso morto e tivesse caído e ali se tivesse deixado ficar,
de um filho na barriga que eram as últimas semanas, o filho que não era mais do que um grande balão de ar que a fazia arquear as costas derreada pelo peso da vida,
a mala: a última testemunha do seu tempo de mulher ainda levantada. Antes de o comboio entrar no túnel, alguém que se acercava a passo urgente, o tempo de dois segundos,
como se só agora a vida lhe tivesse começado a pesar, como se até agora a tivesse levado a brincar.
o tempo de a ver cair, caída, já não sei o que veio primeiro, se eu que a vi cair, se ela que caíu antes de eu a ver caída.
Quando, ao voltar para trás, a procurei no mesmo sítio,
Enquanto lavava as mãos, antes do jantar,
encontrei a relva vazia.
uma mulher mais velha deixou de olhar para mim.

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