25.3.07

Berlinenses I

O Francês

Conheci-o dois dias depois de chegar à cidade. Como o conheci nesse dia, era como ele seria sempre. Se fosse a casa do Big Brother, amigos e família diriam dele que era “igual a si próprio”. Seja lá o que isso for. Mas a verdade é que ele sempre fez parte do mosaico das minhas experiências em Berlim, seja por ter sido o meu primeiro amigo em Berlim, a primeira pessoa com quem partilhei uma casa no sentido berlinense – o meu primeiro, mais longo Mitbewohner -, seja porque a combinação dos olhos em bico com a nacionalidade francesa sempre causaram muita admiração a quem quer que fosse lá a casa. Nós dizíamos aos outros que ele também sabia falar coreano, mas se houve alguém naquela casa que acabou por aprender alguns sons guturais dessa língua de caracteres redondos, fui eu. Garasenidá. Ou lá como é que se pronuncia.

O Mitbewohner multikulti. A verdade-cliché de Berlim.

Com ele aprendi a gostar de Berlim. Perdão. A gostar muito mais de Berlim. A paixão com que ele falava da cidade, a lista de eventos culturais que trazia decorada quando chegava a casa, as pessoas que me apresentava, os piqueniques em jardins infantis, os brunches em cafés russos, o fascínio pelas coisas boas da vida, boa comida, boa música, bom cinema, boas conversas em esplanadas ao sol, as muitas viagens que fazia, acabariam por convencer-me que não é preciso muito para se ser feliz aqui. Ok, uma conta choruda no banco ajuda bastante.
Com ele fui à minha primeira festa underground. Com ele vi o meu primeiro Wong Kar Wai. Com ele ouvi Air e De-Phazz pela primeira vez. Com ele comi sushi pela primeira vez. Com ele fumava ganzas depois do jantar para ajudar a dormir melhor (e via-o a lavar os dentes antes de fazer a ganza mais mal feita do mundo e adormecer na mesa logo a seguir a cinco bafos). Eu até sabia onde é que ele arranjava a droga. Cheguei a ir com ele para fazer de intérprete a um tal angolano para os lados da Torstrasse. Chegámos a dizer que éramos namorados, só porque eu gostava do olhar esgazeado que ele fazia nessas alturas: olhava-me como um cão com cio e mordia-me o braço. Eu ria-me. Até tenho uma fotografia assim, tirada numa festa qualquer pouco antes de ele se ir embora. Ia-se sempre embora no auge de uma festa, de repente, às vezes nem se despedia. Explicou-me que preferia ir-se embora quando estava a gostar a assistir ao cansaço da noite, quando as pessoas já não estão tão divertidas. Eu nunca fiquei chateada, nem quando uma vez me deixou sozinha numa discoteca, o cabrão. Mas só o compreendi muito mais tarde, quase antes do fim. Foi quando lhe disse que me ia embora.

Não o vejo desde o Verão. De vez em quando telefona-me, diz que gostava muito de me ver, mas a namorada é ciumenta. A namorada actual é a Mitbewohnerin que ele teve depois de mim. Sempre uma Mitbewohnerin, nunca um Mitbewohner. Dizia que não se dava bem com homens. Chama-lhe parvo. Pelo menos agora já não precisa de mentir quando diz que namora com a gaja que dorme no quarto ao lado.

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