1.3.07

As línguas dos outros

Título alternativo: A polidiota

Aprender uma língua nova quando não se precisa dela para nada dá um gozo do caraças. Para quem sempre foi uma menina da professora como eu e tem um certo jeito para línguas, pelo menos nos primeiros estágios de aprendizagem e sem contar com a pronúncia, é um capricho que não incomoda terceiros e nos afaga o ego sempre que a professora nos diz “muito bem”. Mesmo que isso não aconteça sempre. Além disso, torna-nos muito mais cultos. Saber como se diz caracol ou escadote em línguas que não falamos com ninguém faz-nos sentir um bocadinho superiores. Os professores de latim devem sentir o mesmo.
Mais divertido ainda é aprender uma língua nova a partir de uma língua estrangeira. À medida que os anos foram passando e me fui afastando da minha vida académica, fui perdendo a capacidade de manter os meus apontamentos organizadinhos, passadinhos a limpo todos os dias e com corzinhas um pouco gay para diferenciar a matéria-palha da matéria que saía para as frequências. Hoje em dia mantenho um caderno modesto comprado nos indianos e rabiscado com o utensílio que tiver à mão, caneta, lápis de carvão, lápis delineador de olhos, marcadores de cds, fósforos usados, onde me dou ao luxo de escrever os significados em três línguas diferentes, tipo totoloto. Não me quero gabar nem nada, mas vou escrevendo à medida que me vou lembrando das palavras e, se me lembro da palavra em duas línguas diferentes ao mesmo tempo, escrevo a que for mais pequena. Há quem lhe chame preguiça, mas eu gosto de dizer que sou uma amigalhaça do ambiente.
No entanto, sou uma aluna dedicada. Comprei um caderno de vocabulário, daqueles com as folhas divididas por uma linha, onde de um lado se escreve a palavra nova e do outro lado o significado e onde mantenho um registo um tanto ou quanto esquizofrénico de todas as palavras que me poderão dar jeito saber no dia do aniversário do rei. Quem olhar para o caderno de soslaio (no metro já apanhei uns quantos curiosos), fica com a impressão de que não estou lá muito segura da minha identidade linguística. Mas eu acho que há certas palavras, cujos significados correspondentes ficam melhor numa língua do que noutra. Tomemos o exemplo da palavra rata. Escrever de um lado rata e do outro “encontrar o caminho” é um tanto ou quanto estranho. Se bem que tenha o seu lado de verdade. Mas não vamos cair em vulgaridades, então. Optei, sabiamente, por escrever de um lado rata e do outro “den Weg finden”, assim como escrever de um lado kona e do outro “woman” (“Frau” era mais pequeno, noto agora que me descuidei). Deste modo, poupo a minha mente de pensamentos mundanos e concentro-me numa língua que, apesar de parecer ter origens ordinaronas, é uma senhora língua.
É claro que, apesar do meu ar sério, me divirto imenso em situações como a que descrevo a seguir.
- Como se pronuncia exactamente rata?
- Rata.
- Rata?
- Sim, rata.
- Rata, assim?
- Sim, rata.
- Ah, rata.
Depois calo-me bem caladinha porque há certas coisas que devemos guardar só para nós.

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