22.1.07

O cafezinho

Há um café pequenino na esquina da Torstrasse com a Friedrichstrasse e a Hannoversche Strasse e a Chausseestrasse, são quatro ruas que se cruzam, não se percebendo bem qual é que cruza com qual, por isso é que se chama um cruzamento, ó esperta, um café que de tão pequeno só lá cabem seis pessoas, três ao balcão da janela para ver os outros que passam e que nos olham a vê-los passar, três na parede com o espelho por onde a empregada nos olha curiosa e nós vemo-la a olhar para nós e ela sorri, sempre, e fora isto quem chega tem de pedir um café para levar para a rua ou voltar noutro dia.
Ganhei o hábito de cá vir uma vez por mês, dependendo duas, se calha a haver duas sextas em que depois do trabalho sei que não vou fazer mais nada. Não vou sair, quero eu dizer, ir para os copos, ao cinema, para casa de amigos, o que for, porque fazer até faço, faço sempre muita coisa, até no dia do senhor.

Para a semana a ver se nos encontramos noutro dia. Que dia? Sugiro qualquer dia, menos domingo. Porquê, o que fazes ao domingo sem ser encontrares-te comigo? Muita coisa, nem sabes tu o quê. E não podes fazer essa coisa toda ao sábado? Não, sábado é dia de fazer as coisas que têm de ser feitas na rua, domingo é dia de fazer as coisas que têm de ser feitas em casa. Então ao domingo não sais de casa? Não. Não vês ninguém? Eu não disse isso.

Mas se me perguntassem o que ia fazer na sexta-feira passada, eu responderia assim
- Nada.
como se não houvesse um verbo só para designar o acto de não sair numa sexta-feira à noite. Se calhar não há. Dá a sensação de ser uma coisa desdignificante, ficar em casa, não ter amigos, vegetar em frente da televisão condenada à futilidade das pessoas desinteressantes, e o pior é quando nem televisão se tem.
De qualquer maneira, às vezes não me importo. De não fazer nada. Gosto de começar por sair do trabalho às quatro, apanhar o S-Bahn, depois o eléctrico, entrar no cafezinho, pedir um café com espuma e uma fatia de tarte de queijo com passas, eu que não gosto nada de passas, só há três coisas que não como, fora as carnes todas que não sejam porco, galinha e pato, se me obrigarem também como borrego ou perú, mas só se for realmente necessário, fora isto tudo, uma das coisas que não como são passas. Por convicção. Por medo de cólicas. Por puro nojo. Seja o que for. Mas acabo por pedir sempre uma tarte de queijo com passas, porque o meu bolo alemão preferido é mesmo o bolo de queijo, e aqui não têm bolo, só tarte, e ainda por cima com passas. Geralmente ponho-as de lado, tiro-as uma por uma, escarafuncho o bolo todo, perdão, a tarte, mas no outro dia esqueci-me e comi-as todas.
Depois de me vir trazer o lanche à mesa, ao balcão, e de olhar sempre muito para mim e para o que já pus em cima da mesa, do balcão,
um livro; um caderno; uma caneta; um isqueiro; um maço de tabaco; um telemóvel;
e depois me sorrir, a empregada muito loira e/mas muito bonita, volta para trás do balcão dela e muda o cd que estava a tocar, qualquer coisa a que nunca presto muita atenção, creio que é esse que deve ser o objectivo da música num café que de tão pequeno só lá cabem seis pessoas, distrair quem trabalha, mas não incomodar os clientes, sempre um ou dois de cada vez, é por isso que gosto de lá ir, por isso e por causa do bolo, da tarte de queijo com passas, e eu que nem gosto nada de passas.
Invariavelmente, põe Johnny Cash. American. O I. Ou o II. Ou o III. Ou o IV. Qualquer dia pergunto-lhe se é por causa de mim, se tenho ar de quem ouve Johnny Cash, se calhar tenho, ou se é o ritual das cinco da tarde, da noite, das sextas-feiras, dos dias de chuva, da Berlim cinzenta. Ou então, se calhar, Johnny Cash é a maneira de dar as boas-vindas aos clientes habituais, os Stammgäste, como me chamaram no outro dia na galeria de vídeo, e eu não sei se isso é bom se é mau, mas acontece-me frequentemente no inverno alugar mais filmes do que aqueles que consigo ver e acabar por adormecer às horas de quem foi para a discoteca, mas com a vantagem de não me deitar a cheirar a tabaco e de saber que no sábado não vou acordar de ressaca. No domingo já é outra história. É por isso que ao domingo nunca gosto de sair de casa. Mas qualquer dia tenho de lhe perguntar. Se tenho ar de quem ouve Johnny Cash. Não é por nada. Curiosidade. Não, por acaso até oiço. Mas, pronto, é naquela.

Agora a sério, a ver se na próxima semana não nos encontramos ao domingo. Mas, se quiseres, eu vou ter à tua casa. Não. O quê? Não quero. Porquê? Não sejas chato. Pronto, está bem, então fica para sexta, se não fizeres nada. Eu faço sempre muita coisa. Eu sei, é uma maneira de dizer.

3 Kommentare:

Anonymous Anonym meinte...

reclamo este post como prenda de anos.

12:31 PM  
Blogger Frau K. meinte...

é teu.

7:23 PM  
Blogger MP meinte...

Johnny Cash parece-me apropriado para uma tarde cinzenta e fria de Berlim. A tua escrita está cada vez mais frenética. eheheh. continua aí a abusar das vírgulas, e ainda bem q n tens TV em casa ; )
**

6:50 PM  

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