27.1.07

Neve II


A neve chega para abrandar o ritmo da cidade, para nos lembrar de que há coisas que têm o seu tempo, a sua hora, mesmo que o relógio se atrase, mesmo que sejamos nós a atrasar o relógio. O tempo ainda marca a sua hora, por enquanto. Saio para a rua e de repente tudo fica mais lento. Como num filme em câmara lenta. Os meus pés que se arrastam, tentando não escorregar, os meus olhos que se fecham - entram-me flocos de neve para os olhos a toda a hora, neva como se chovesse, se estendermos a mão ficamos com ela molhada, os floquinhos que se derretem na palma da minha luva como se fossem migalhas de pão branco levadas pelo vento ou pelos pombos que afugento. Chu, chu.
Andar na neve é como andar na areia, mas com sapatos e muita roupa em cima. E o mar, que está tão longe. Se não fosse pelo mar, eu até nem me importava. Digo sempre que não gosto de neve, mas lá no fundo, no fundo, no fundo de mim aquecido pelo cachecol, quantas voltas, três, se o desdobrar chega ao chão, gosto de ver os carros parados cheios de neve, de chegar a casa e bater com os pés no chão para me desfazer do branco que me tinge as botas, de andar de S-Bahn e ver tudo branco, os telhados, os parapeitos, os carris, os ombros das pessoas. Gosto de chegar a casa, vestir as calças do pijama e ouvir música clássica, a compilação para os leigos que comprei por 3,99 o ano passado, aquilo-tudo-que-você-já-devia-conhecer-de-música-clássica-seu-inculto, não se chama assim, mas foi como me senti na caixa registadora, Bach, Brahms, Ravel, Mahler, beber chá, a saqueta sempre dentro da chávena, e sentir-me, realmente, incomensuravelmente, estupidamente invernal.

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