15.1.07

Telefonema

Vamos lá a esclarecer uma coisa. Até são três. Em primeiro lugar, não gosto que me telefones com o número oculto. Quando é assim, costumo hesitar sempre entre atender o telefone ou esperar pela mensagem. O problema é que toda a gente que me telefona tem o número oculto. As pessoas hoje em dia têm medo de se anunciar. Falta de auto-estima, é o que é. Pessoas com personalidade não têm medo de se fazer anunciar. Como eu. Até apareço nas Páginas Amarelas, vê lá. E depois levo com todos os senhores do telemarketing que até me lixo.
O meu mal é ser tão curiosa. Penso sempre que pode ser uma chamada importante, alguém que precisa de mim ou a sorte grande que me saiu. Mas o Euromilhões sai à sexta e num sábado à noite ninguém precisa de ninguém. Porque toda a gente já tem coisas combinadas, até eu. Mesmo assim acabo sempre por atender o telefone quando és tu. Burra, que ainda não aprendi a prever-te.
Em segundo lugar, não gosto que me telefones a horas impróprias. Qualquer hora antes das 11.59 da manhã é imprópria. As horas das refeições também são impróprias, mas as horas das refeições portuguesas, não as alemãs, que eu, quando ninguém está a ver, gosto de manter os meus hábitos originais. Odeio que me telefonem quando o comer está no prato. Nessas alturas os telefonemas duram sempre o tempo de a comida ficar fria. E depois fico azeda.
Last but not least, eu não gosto de fado. Já to disse várias vezes, mas parece que ainda não entendeste. Sou portuguesa, sim senhora, com muito gosto e orgulho não nacionalista, atenção, mas isso não quer dizer que goste de fado. Ou ainda não percebeste que nem todos os alemães gostam de Udo Juergens? Especialmente fado cantado por emigrantes que não põem o pé em Portugal há quinhentos anos mas sentem as saudades com a alma de ah, fadista! Se calhar é por isso que nunca vão a Portugal. Para cantarem melhor o fado. O que uma pessoa não faz por amor à arte, já viste?
Como tal, não gosto de Mariza nem de Mísia, nem dessas nem de todas as outras que vão tocar à Philarmonie com preços para alemão pagar e pensar que somos muito bons. Tão bons que exigimos 60 euros por um concerto em que a cantora faz playback. Ah, pois, ou não ouviste dizer? Então, afinal não foste? Ok, Cesária não é o teu estilo, só fado, né? Entendo. Ela também nem é portuguesa, o raio da velha.
De uma vez por todas, Fado ist nicht mein Ding. Não é a minha cena, bacana. Se tenho cds de fado em casa? Claro que tenho. Todos aqueles que tu me deste sem me perguntares se queria. Estão dentro da caixinha das coisas para deitar fora. Isso e todos os livros sobre o Algarve com edição de 82 que me ofereceste. Ouve, nos anos 80 eu ia ao Algarve passar férias com os meus pais todos os santos anos, na segunda quinzena de Julho que era para fugir à manada de Agosto. Quarteira, Armação de Pêra, Faro, Lagos, Albufeira, conheço isso tudo e sabes porque é que já lá não vou há tanto tempo? Porque da última vez que lá fui o empregado da marisqueira só falou connosco em espanhol, inglês, alemão, italiano ou francês, é à escolha do freguês. Somos uns poliglotas, não é bonito? É chato é termos este sotaque que nos denuncia entre irmãos, especialmente quando estamos no nosso próprio país e ouvimos um caramelo armar-se aos cágados. Mais valia pedirem a independência. A.U.A., Algarve United Army ou qualquer coisa do género. Também podiam começar a pôr bombas debaixo dos carros dos turistas para ver se a malta começava a visitar sítios mais para norte, a Pampilhosa da Serra ou assim. A.U.A., que é como os alemães dizem que lhes dói algo. Levar com uma bomba nas trombas deve doer, oh se deve. Era AUA por todos os lados.
Portanto, acho que ficamos assentes. Não há cá mais telefonemas ao domingo de manhã nem ao sábado à hora do jantar para me convidares para ir não sei a que café português ouvir fado roufenho. Não vais para casa da minha tia passar férias porque ela tem mais que fazer, eu nem falo com ela, mas tu nunca me perguntas nada sobre mim, basta-te saber que tenho no B.I.
Nacionalidade: Portuguesa
e ficas logo toda histérica. E nunca, mas mesmo nunca mais, me venhas declamar Pessoa ao telefone (especialmente aos domingos de manhã) nem dizer que és mais portuguesa do que eu. Tu nunca vais saber o que é nascer num Alentejo quente de casinhas brancas com velhas de luto refastelado à porta nas noites de Verão. E não, tu não falas bem português. Agora, se me desculpas, tenho de sair.

2 Kommentare:

Blogger blindness meinte...

--- Início de pensamento ---

(Bom... se tivesse à-vontade para o fazer, diria que todo esse mau feitio é tipicamente português! :) Mas é melhor ficar calado, ou arrisco-me a levar por tabela...)

--- Fim de pensamento ---

10:12 PM  
Blogger Frau K. meinte...

nunca aqui se afirmou o contrário ;)

10:42 PM  

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