17.1.07

28

Isto a culpa é todas dos turistas, de irmos para aqui apertados, que nem sardinhas em lata, acham piada à coisa, acham piada, mas quem se lixa é cá o zé povinho, mas a gente vai sorrindo, tem de ser, senão vão-se embora a dizer mal do país e a gente não quer nada disso, nunca se sabe se esta gente não nos pode salvar da crise, que isto anda mal, anda mal, ai menina, e depois são as cruzes que me doem e nem sequer tenho lugar para me sentar no eléctrico, de tão cheio que isto está sempe, raisparta esta gente.
Todos os dias isto. Para cima, para baixo, à hora do almoço, à hora do lanche, antes da hora do jantar numa tasca de Alfama. Os turistas confortáveis, os velhotes em pé, eu ali no meio deliciada com aquilo tudo, a tentar manter o equilíbrio e segurar bem o saco da Fnac, ó chefe não me leve as compras com a pressa, e a fazer o meu sorriso Pepsodent para a malta das máquinas fotográficas no Largo da Graça, na Sé, no Miradouro da santa tal, tantas são que nunca lhes sei os nomes, no Martinho da Arcada, no Chiado, é aqui que eu saio e ala que se faz tarde, a empurrar este e aquele, excuse me, excuse me, raisparta esta gente.
Calculo que tenha ficado, no mínimo, em 534 fotografias, mais uma ou outra que me escapou do campo de visão, e no das Cebolas também, que desta vez não pus lá os pés. Não lhes adivinhei a nacionalidade a todos, mas quem sabe se a minha bela figura não estará agora a rodar mãos de italianos, alemães, franceses, espanhóis, espanhóis então eram mais do que se podem aguentar mesmo em dias de festa, que até aí só um ou dois e o terceiro já está a mais, e esses europeus todos a pensar como Portugal é um sítio bonito, cheio de carinhas larocas e gente simpática. Há que fazer pelo contentamento da humanidade. Já que não podemos salvar os pobres da fome, então que satisfaçamos os outros e a sua ignorância de que a cultura de Portugal se aperta no eléctrico 28 que nem o atum General.
De cada vez que via alguém de máquina em riste, toca a sorrir, para aqui, para ali, tirar os óculos escuros à Martini Woman e fazer a pose mais sexy que o aperto me permitia. Somos bonitos, sim senhora, esta gaja aqui ao meu lado não, mas deve ser inglesa. É loira e cavalona, então e depois? Isso dos gajos preferirem as loiras nunca me entrou muito bem na cabeça. As ruivas ainda vá que não vá, mas como não há muitas ruivas abaixo do círculo polar ártico, nunca foram uma ameaça para ninguém. Agora as loiras é que não entendo. Por isso, toca a desmistificar a coisa e sorrir, sorrir muito. Pode ser que ainda nos calhe algum norueguês na rifa e nos leve para os meios dos fiordes. Que eles de loiras já devem estar fartinhos. E, enfim, é como tudo, que a gente faz o que pode. Se calhar daqui a uns meses aterra lá para os lados da Portela algum viking mascarado à procura da moçoila que fotografou a sorrir no eléctrico, tão bonita que ela era que se apaixonou imediatamente, e depois alguém lhe diga que a menina já não mora para aqueles lados, que em Portugal toda a gente se conhece pelo nome, e ele atravesse meia Europa e me descubra em Berlim, num dia daqueles em que não posso com uma gata pelo rabo e lhe diga assim, ó meu amigo, essa não sou eu, des-larga-me do pé que a minha vida não são cantigas. E é por causa destas e doutras que uma pessoa deixa passar as grandes oportunidades da vida. Mas, enfim, é a vida, minha senhora, é a vida, não se esqueça de ir a Fátima antes do ano acabar pedir pela prima Carolina que sofre de herpes e de desgostos de amor, se não fôssemos uns para os outros, não era ninguém por nós, então, vá lá, passe bem, e cuidado com o degrau, que acabou de chover e a calçada está escorregadia. Vá com deus, vá com quem quiser, o problema é seu, mas se encontrar um turista tresmalhado pelo caminho, diga-lhe que estou aqui e que lhe mando cumprimentos, que isto um sorriso ou outro hoje ainda se arranja, amanhã é que já não sei.

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