10.12.06

Kreuzberg 61

Chegar às 9 da manhã, lembrar-me ainda de tirar as calças de ganga antes de cair na cama. Acordar já de noite, não saber bem que dia é e, de repente, fazer rewind e lembrar-me.


A festa tinha acabado melhor do que pensávamos. Lembro-me de sairmos para a rua às 6 da manhã, cada um com uma garrafa de vinho escondida na mala, parece que descemos à arrecadação e roubámos as últimas garrafas, faz de conta que as bebemos nós. Só me lembro de me terem passado uma garrafa para a mão e de me terem dito, leva-a para casa, tu mereces. Sem medirmos as consequências dos nossos actos, segunda-feira alguém se dará conta de que faltam garrafas, não quero nem pensar nisso, fechámos a porta (será que a fechámos?) e partimos para Berlim. Quantos seríamos, uns 9, talvez 11. Lembro-me que a conta era ímpar, a conta embriagada é sempre ímpar.
Àquela hora já as ruas estavam vazias, os bares fechados, Berlim que nos trancava as portas temporariamente. Só mais uma rua, vamos tentar, alguma coisa há-de estar aberta. Perguntávamos a este ou àquele que virava as cadeiras de pernas para o ar num bar qualquer se sabia onde havia alguma coisa aberta. Na última tentativa, um porteiro apontou para o outro lado da rua, ali por baixo do toldo amarelo, estão a ver.
Atravessámos a estrada sem respeitar os sinais, alguém se tresmalhou com um aceno de mão furtivo, ficámos apenas 7 ou 9, nos outros dois não iríamos pensar mais, certamente que continuariam a festa de outra maneira.
Entrámos, a medo. Uma cave escura, homens ao balcão de canecas na mão e sotaque cerrado. Numa mesa ao canto despejámos os nossos haveres, tirámos dois euros cada um para uma cerveja, houve quem pedisse whisky, a noite ainda agora começava. A empregada, de dedos enfeitados com anéis e olhos a transbordar ironia, mais bêbada do que nós, fez-me esperar 10 minutos por uma cerveja cheia de espuma. Dá-me lá isso, quero beber. És das duras, tu, és cá das minhas. E abraçou-me do outro lado do balcão. Seria o primeiro de muitos abraços nas duas horas que se seguiriam. A mim, aos outros, a todos.
O dj, um travesti que despertou apostas entre nós, será homem, será mulher, olha para as mãos, dizia eu, são mãos de homem, mas tem peitos, são mãos de homem. Tens Joy Division? Não, eu só passo heavy e metal. Então põe Type O Negative, pelos bons velhos tempos. És das duras tu, és cá das minhas. Pouco mais tarde, passou Blur, pelos bons novos tempos, afinal não passava só heavy e com a Song 2 só não deitámos o palco abaixo porque mais baixo que aquilo não podíamos descer.
Perto das oito, alguém me pediu em inglês para ir ver da A. que já estava na casa-de-banho há muito tempo, será que se estava a sentir bem. A A. é das duras, mas eu vou lá ver.
Afinal tratava-se apenas do cinto que não queria fechar. Na altura em que eu, de joelhos a tentar apertar-lhe o cinto, a dizer, não consigo, estou tão bêbada que vejo três fivelas e não sei qual delas é a verdadeira, entrou um gajo na casa-de-banho, estás enganado, aqui só entram mulheres, eu de joelhos a mexer-lhe nas calças, imagino o que ele terá pensado, mas não era nada disso, e fechei-lhe a porta na cara. Nunca cheguei a conseguir acertar na fivela verdadeira.

Lá fora já era dia claro, se é que se pode falar de dia claro no Dezembro que corre. Despedimo-nos dos anfitriões, o dj travesti abraçou-me e confessou-me que nunca ninguém lhe tinha pedido Type O Negative, o público que costumo ter é muito diferente, voltam? Eu prometi-lhe que voltava. Voltaremos sempre enquanto Berlim nos continuar a surpreender assim. Antes de entrarmos no metro ainda me lembro de lhes dizer, segunda-feira serei uma pessoa respeitável, esqueçam tudo o que ouviram sair da minha boca hoje. Não te preocupes, serás sempre uma pessoa respeitável desde que os teus actos venham do coração. Foi piroso, mas não fez mal. Não creio que amanhã alguém se lembre de que, durante umas horas, enfiámos a respeitabilidade num saco que pusémos debaixo do banco.
Agora, que penso nisso, acho que ainda lá deve estar.

2 Kommentare:

Blogger Senhor Manel meinte...

http://i97.photobucket.com/albums/l225/senhorm/etc/Badgirls.jpg
;-)

11:27 PM  
Blogger Frau K. meinte...

aí está um comentário do qual nunca me vou esquecer ;)

7:03 PM  

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