4.1.07

Não percebo



Não percebo o fenómeno Eu, Carolina. Não percebo a mania de pôr o Pai Natal a trepar varandas, janelas, portadas. Não percebo o regresso do José Cid. Não percebo os cafés Kátequero. Não percebo as operações Stop. Não percebo os brincos argolas-de-circo. Não percebo a recente xenofobia aos chineses. Não percebo as árvores de Natal maiores da Europa. Não percebo a mania das grandezas. Não percebo os ordenados tão baixos. Não percebo os livros tão caros. Não percebo os livros tão caros. Não percebo os livros tão caros. Não percebo perguntas estúpidas começadas com então: então, já te levantaste?, então, já chegaste?, então, já comeste?, eu a lavar o prato (não percebo máquinas de lavar loiça), e a pedir baixinho, deixem-me em paz. Não percebo os gorros nas cabeças das pessoas numa noite com 12 graus positivos. Não percebo que me perguntem se na Alemanha faz mais frio, mas é claro que faz mais frio. Não percebo as casas frias, na Alemanha as casas são quentes. Não percebo os cães abandonados. Não percebo os gatos abandonados. Não percebo os velhos abandonados. Não percebo os almoços em família que se transformam em lanches que se transformam em jantares. Não percebo a minha família. Não percebo o luto das viúvas. Não percebo a galdeirice das viúvas sem luto. Não percebo as perguntas estúpidas da minha mãe começadas com então: então, quando é que me dás um neto? Qualquer dia. Qualquer dia ainda levas uma resposta torta e depois dizes que sou mal-criada. Não percebo que me digam que sou mal-criada. Não percebo as pessoas que falam ao telefone como se estivessem a morrer. Não percebo a palavra saudade associada a estas coisas todas. Não percebo a noção de cultura associada a estas coisas todas. Não percebo a minha cultura. Não percebo cultura. Sou uma inculta. Descultivada. Mesmo. Mesmo assim. Mesmo assim gosto que a velhota no eléctrico meta conversa comigo. Mesmo assim gosto de entrar num café em que as pessoas falam a gritar. Mesmo assim gosto de me sentar debaixo de um dia bonito de inverno como os gatos ao sol. Mesmo assim gosto de bacalhau com couves na véspera de Natal. Mesmo assim gosto de ler José Luís Peixoto e esquecer-me que há outras línguas no mundo. Mesmo assim gosto de outras perguntas começadas com então: então, estás boa? Cá vou indo.

1 Kommentare:

Blogger blindness meinte...

Também eu não percebo muitas das coisas citadas, mas eu também faço por não "ver" muita coisa. Gostei da dinâmica do texto. Fica-me a vontade de ler José Luis Peixoto e de explorar no futuro os arquivos destas "crónicas de berlim".

2:09 AM  

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